Da Redação
Mostra imersiva leva o público por um labirinto que revê um século de transformações na arte e cultura brasileiras, convidando cada visitante a definir seu próprio caminho por salas que levam a diferentes tipos de manifestações artísticas
O que aconteceu naquele ano de 1922, em São Paulo, que ainda hoje é capaz de provocar debates construtivos e polêmicas acaloradas sobre arte, política, racismo, identidades e história do Brasil? Como podemos entender o papel de Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Villa-Lobos, entre outros, sem cairmos nos lugares-comuns dos mitos fundadores de um novo Brasil e sem acreditarmos na ilusão de que o tempo parou cem anos atrás?
A exposição Cem Anos Modernos, que abre ao público a partir de 03/06 no Museu da Imagem e do Som (MIS), instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, integra as celebrações do centenário do Governo do Estado de São Paulo, propondo uma leitura que não vê na Semana de 1922 o momento de criação de um Brasil moderno, mas sim como um momento de abertura de portas para a modernidade.
“A exposição Cem Anos Modernos foi pensada de forma lúdica e envolvente para o público, mas também possui um caráter pedagógico sobre o impacto do modernismo para a cultura brasileira. Esta iniciativa vai funcionar como uma espécie de fechamento com chave de ouro dos esforços empregados para celebrar o centenário deste movimento”, afirma o Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Sérgio Sá Leitão.
Idealizada pelo curador Marcello Dantas e pelo compositor e crítico literário José Miguel Wisnik, a mostra aposta no caráter exploratório por um grande labirinto, em que um Brasil múltiplo, indomável, incoerente e por vezes contraditório vai se revelando. A ideia é convidar o público a explorar, em cada nova sala, essa vontade de ver e se apropriar de diferentes aspectos da cultura brasileira.
A mostra parte da concepção, articulada por José Miguel Wisnik, de que o movimento modernista vocalizou de maneira programática, com alarde exibicionista e provocador, questões que estavam em ebulição. São exemplos dessas questões a quebra dos tabus estéticos da representação da natureza, da linearidade sintática, da poesia metrificada, da consonância tonal em música – rupturas que marcariam a linguagem artística do século 20.
Elas se apresentam, por exemplo, em Galo ou abacaxi, pintura de Cícero Dias de 1940 em que o animal e a fruta se confundem numa tela amarela, mas também se materializam na imagem fotográfica do cantor Roberto Carlos recebendo um troféu do apresentador televisivo Chacrinha – sim, o famoso “Troféu Abacaxi”.
Diversidade de caminhos e leituras para os visitantes
Diferentemente do que é comum no circuito de grandes exposições, não há um caminho específico traçado para os visitantes: cada pessoa que entrar na mostra construirá sua própria saída, passando por diferentes salas, cada uma levando a novas galerias, até a chegada ao presente. “Toda a história dessa exposição é sobre você se descobrir dentro desse labirinto. Duas pessoas não viverão a mesma exposição”, explica o curador Marcello Dantas.
Uma das obras pelas quais o visitante pode passar, dependendo do caminho que trilhar, é o filme Limite, de Mário Peixoto. Outra, o projeto e imagens das máscaras que Flávio de Carvalho imaginou para O bailado do Deus Morto, de 1933. Também em Flávio de Carvalho, desta vez de 1956, temos o desenho e a fotografia de seu Passeio de saia, acompanhado homens engravatados embasbacados com seu questionamento artístico à ordem heteronormativa.
Nem todas as portas levam a proposições positivas – uma das portas abre, por exemplo, uma sala para o integralismo, a versão verde-amarela do fascismo. A ideia é tratar, também, dos aspectos autoritários que entraram pela porta da modernidade. “A Semana de 1922 foi uma espécie de bomba de efeito retardado. Sem ser propriamente um espetáculo, ela explodiu aos poucos, revelando toda uma cultura brasileira que até então estava fora do circuito dominante”, complementa o curador.
As rupturas nas artes brasileiras ao longo de cem anos não se limitaram à literatura, às artes plásticas e à música erudita: também se fizeram imagens – no cinema –, sons – na música popular – e movimento – na dança, por exemplo –, atingindo também outros aspectos da vida cultural brasileira representados na exposição.
Diferentes portas se abrem no percurso do visitante – e a exposição aproveita essa metáfora e dá uma espécie de concretude a ela. O prédio do MIS, assim, se transforma em um labirinto de portas, que podem ser de um armário ou uma simples cortina, portas de geladeira, cadeia, giratória, pantográfica, eletrônica, que priorizam a vocação do espaço para a imagem e o som, oferecendo muita música e projeções audiovisuais.
Nessa ciranda, surgem artistas que fizeram a cultura brasileira nos últimos cem anos, alguns deles contemporâneos nossos, como Anitta (não a Malfatti, pintora, mas a cantora), Elza Soares, Denise Stoklos, Emicida, Denilson Baniwa, passando também por Glauber Rocha, Ariano Suassuna e José Celso Martinez Corrêa. Numa sala do labirinto, o visitante assiste a trechos de Macunaíma, do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, e uma das portas leva à obra da cenógrafa Bia Lessa.
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Exposição propõe explorar – e celebrar – repercussões de 1922
Cem Anos Modernos não é uma exposição de artes visuais, é uma mostra que procura indicar como as ideias e reflexões do modernismo reverberaram na cultura brasileira nos últimos cem anos, com ênfase na música, no cinema e no teatro. Nesse caminho labiríntico, o visitante poderá reavaliar a identidade brasileira e a busca pela matriz indígena da cultura do país.
Assim, a Semana de 1922 não é vista como um marco que “redescobre o Brasil”, como se Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Villa-Lobos, entre outros, fossem novos Cabrais; nem como se a Semana de 1922 fosse um novo 22 de abril de 1500. “O Brasil teve um século pujantemente moderno nas artes visuais, na arquitetura, na música, na literatura, no pensamento, e isso é o que faz sentido celebrar”, diz o curador.
Espaço Redondo contará com atrações para o público
Os diferentes percursos do labirinto de Cem Anos Modernos conduzem o visitante para um ambiente comum: o Espaço Redondo do MIS, onde será projetada, no amplo espaço circular com pé-direito alto, uma filmagem em 360 graus do Theatro Municipal de São Paulo. As paredes do Theatro, única testemunha “viva” dos acontecimentos da Semana de 1922, se transformam em uma obra própria, como no filme Amar Elo, de Emicida.
“Nesse filme, Emicida reivindicou o teatro, porque as mãos dos trabalhadores, em grande parte negra, nunca tinham pisado nele”, explica Dantas. “No fundo, estamos querendo dizer que a luta por essa busca de identidade é um processo absurdamente pertinente, ativo, e as tentativas de hoje em dia, como a Anitta, estão inclusas neste processo”, comenta o curador.
No Espaço Redondo do MIS, há um conteúdo original do projeto, com trilha composta por José Miguel Wisnik com Alê Siqueira e imagens de Leandro Lima. São cerca de 20 minutos com uma espécie de releitura de cem anos de arte brasileira, buscando resgatar a potência da cultura brasileira e de seus criadores. A visitação simultânea desse espaço será de cerca de 50 pessoas.
Serviço
Exposição Cem Anos Modernos
Onde: Museu da Imagem e do Som (MIS) – Av. Europa, 158, Jd. Europa – São Paulo/SP
Funcionamento: 03/06/2022 até 28/08/2022, de terça a domingo, das 11h às 19h com permanência até às 20h.
Quanto: R$ 30,00 (inteira) R$ 15,00 (meia-entrada). Gratuito às terças-feiras
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